TEXTOS


Curso de teoria Marxista
Para baixar basta clicar no texto desejado.

  1. Engels sobre a superação da democracia – O Estado e a Revolução – V. I. Lênin
  2. Sobre as Greves – V. I. Lênin
  3. A história da mulher e a história da sua opressão – Augusto Bebel
  4. Mentiras relativas à história da União Soviética – Mário Sousa
  5. O anti-stalinismo, cavalo de tróia no movimento comunista da segunda metade do século XX– Nina Andreyeva
  6. O aviltamento do marxismo pelos oportunistas – O Estado e a Revolução – V. I. Lênin
  7. “Os atuais governos dos países capitalistas são provisórios. O verdadeiro senhor do mundo é o proletariado” Jorge Dimitrov
  8. Carta aos operários dos Estados Unidos – V. I. Lênin
  9. Pode um jornal ser um organizador coletivo? – V. I. Lênin
  10. Pode o Partido degenerar? – J. Stálin
  11. A formação da moral comunista - Nikolai Ivanovich Boldyriev [novo]
  12. A Questão da Estratégia e da Tática – J. Stálin
Mais textos e fragmentos podem ser encontrados no site Marxists.org, em especial:

Fonte:http://pcrbrasil.org/curso/ 
Curso de Teoria Marxista oferecido pelo PCR na UFAL. 

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Lutas e Heróis do Povo : Greve dos trezentos mil: Lições históricas da classe operária para o sindicalismo em nossos dias

em 27/05/2009 (2114 leituras)
Houve várias passeatas, manifestações de rua, concentrações. A repressão veio realmente, e forte, incluindo o uso de armas por parte da polícia. Dois mil operários foram presos. Mas os trabalhadores não recuaram e até reagiram à altura, a exemplo do caso dos 3 mil ferroviários da Sorocabana, que travaram batalha e deixaram nove policiais feridos. Ao final, uma grande vitória: o salário foi aumentado e a jornada de trabalho diminuída.
No dia 18 de março de 1953, uma quarta-feira, à tarde, 60 mil pessoas saíram da Praça da Sé em direção ao Palácio Campos Elíseos, sede do Governo do Estado de São Paulo, reivindicando medidas contra a carestia.
Uma semana depois, eclodia uma das greves mais importantes da história da classe operária brasileira.
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Lutas e Heróis do Povo : A Mina de Morro Velho, uma experiência de poder operário e popular

em 08/07/2011 (330 leituras)
A mina de ouro de Morro Velho localiza-se no município de Nova Lima (MG), que hoje compõe a região da Grande Belo Horizonte. Sua exploração começou em 1725, passando, em 1834, a ser propriedade da Companhia inglesa Saint John d'El-Rey Mining Company. Daí em diante, teve crescimento ininterrupto. Em 1940, a mina respondia por 90% do ouro produzido em Minas Gerais. Os ingleses venderam-na em 1960 para a Hanna Company, empresa dos EUA, país que, desde o fim da 2ª Guerra Mundial, superara a Inglaterra como maior potência imperialista do planeta.
O sangue dos operários
No período que vamos conhecer (1930-1964), a mina chegou a ter oito mil trabalhadores. Dez por cento dos operá-rios trabalhavam na superfície, em tarefas auxiliares, e 90% no fundo da mina, diretamente no processo produtivo. Eram os mais sofridos, as maiores vítimas, viviam em estado de insatisfação generalizada. O trabalho era tão arriscado e penoso que, ao sair de casa "o pai, filho ou esposo não sabiam se voltavam; ia-se para uma viagem cujo final podia ser a morte". Eram constantes as mortes por desabamento, explosões e outros tipos de acidente, bem como por tuberculose pulmonar.  
Os trabalhadores da Morro Velho sempre lutaram por seus direitos, especialmente a partir do início do século 20, quando seu maior contingente era de imigrantes espanhóis. Mas o período de maior mobilização e organização começou em 1930, com a chegada de três militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB): dois operários, que foram trabalhar na mina, e um artesão, assistente, que foi prestar serviços aos ingleses.
Eles começaram a conhecer a realidade e a despertar a consciência dos operários, por meio de conversas informais na entrada da mina, nos intervalos do trabalho, nas festas, nos locais de diversão, nas casas. Os temas eram os assuntos da vida diária, do trabalho à família; falavam da exploração a que eram submetidos e das diferenças de classe. 
A partir de um paciente trabalho de base, os operários mais interessados começaram a se reunir à parte e fundaram, no dia 13 de maio de 1934, com a participação de 447 associados (número elevado em cinco meses para 3.386) a União dos Trabalhadores da Morro Velho e Classes Conexas. Depois da legislação trabalhista imposta pelo Estado Novo, a entidade passou a chamar-se Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração do Ouro e Metais Preciosos de Nova Lima.
A Mina de Morro Velho 
A organização das comissões de luta
Os ativistas organizaram-se em comissões, de acordo com as reivindicações e problemas dos operários. Havia comissão de salário, de benefícios, de salubridade, de adicional, de abono, e a Cipa. Se as reivindicações apresentadas pela Cipa não fossem atendidas, a massa pressionava. Entre outras conquistas, conseguiram sanitários nas minas, escoramentos, capacetes, botas, máscaras, luvas, lanterna e forno elétrico. As comissões criaram associações por profissão ou setor existente na mina, visando a uma maior participação dos trabalhadores e aprofundamento dos problemas específicos, inclusive as de encarregados e feitores, pois muitos deles se engajaram na luta. As comissões de luta eram mediadoras entre o Sindicato e o movimento gerado pelas associações, que eram informais e independentes. Por isso, nos períodos em que o Sindicato esteve sob intervenção, a luta dos mineiros continuou com a mesma força.
Combatendo o elitismo e a burocracia
A primeira diretoria do Sindicato renunciou ao seu direito de liberar-se para a atividade sindical. Decidiu permanecer na produção, exemplo que foi seguido pelas diretorias seguintes, até 1964. As assembleias eram mensais. Nelas, as comissões prestavam contas da sua atuação e planejava-se o mês seguinte. O presidente do Sindicato abria a assembleia e pedia que o plenário escolhesse um companheiro para coordená-la, havendo sempre um rodízio. Era uma forma de todos exercitarem  essa tarefa de conduzir reuniões, e o presidente não se sentir, nem ser visto, como autoridade. Havia rotatividade na diretoria: em geral, cumpria-se apenas um mandato, para ninguém se perpetuar em cargos, evitando a formação de uma elite de sindicalistas. O Partido não fazia questão de ter um militante na presidência, fato que só ocorreu em três mandatos, num período de 30 anos (1934-1964). "É um erro pensar que o Sindicato liderava os movimentos dos mineiros. A luta sempre partia de fora para dentro do Sindicato".
Organização do movimento popular
A mobilização e a organização não se limitaram à mina. Foram criadas associações de moradores, movimentos contra a carestia,  comissões de rua ou ligadas aos problemas e necessidades do local: comissão do calçamento, da água, da luz, etc. No meio popular, a força principal eram as mulheres, que acabaram conquistando espaço no Sindicato, onde se fundou um departamento feminino.
Atividades recreativas e culturais também se desenvolveram. Clubes de futebol, carteado, jogos, torneios, festas nas casas dos operários, tudo era espaço para discutir problemas, reivindicações, avançar a consciência comunitária e de classe. A partir das "peladas" das crianças e adolescentes,  surgiram as células de jovens.
Os comunistas souberam trabalhar também com os religiosos, chegando a ter uma célula de 30 membros dentro de um centro espírita. Estavam presentes em grupos católicos conservadores, como Filhas de Maria, São Vicente de Paula e Congregação Mariana, bem como nas entidades assistenciais.
Entre as prostitutas, o trabalho político teve tanto êxito que metade delas se tornaram amigas do Partido. Colaboravam financeiramente, davam assistência a companheiros doentes que não tinham parentes na cidade e colhiam informações dos policiais e dos chefes da Companhia.
A luta sob a ditadura
Apesar de dar continuidade às lutas operárias e populares, o núcleo comunista de Nova Lima não foi atingido pela repressão desencadeada pela ditadura de Getúlio Vargas, que prendeu, torturou e matou comunistas e opositores em todo o país.
O Partido atuava clandestinamente. Os seus membros não se apresentavam à massa como comunistas. Para um ativista ingressar na organização interna, passava-se muito tempo observando seu interesse, sua dedicação às tarefas do movimento, suas relações pessoais e familiares. "O processo durava anos, às vezes. Em Nova Lima, o PC tinha, de fato, raízes na classe operária. Construiu-se de dentro, e de baixo para cima. Os militantes eram orientados a uma ação sem pressa, com os pés na terra. Tudo era pensado, tudo era discutido nas bases". "O Partido da Morro Velho era mesmo a própria massa dos mineiros. Ele era parte de cada mineiro, vivendo sua vida, seus problemas, seus interesses. Assim, as coisas nasciam e cresciam da própria massa.  Partia-se do real e não de palavras de ordem".
No Governo Municipal
Com o fim da ditadura varguista, o PCB se legalizou e adotou como prioridade a conquista de posições no Parlamento, pregando a construção de "alianças com a pequena burguesia e com a parcela progressista e democrática da burguesia nacional".
O efeito imediato da legalização foi positivo. Pela primeira vez, comemorou-se o 1º de Maio em praça pública, reunindo uma verdadeira multidão em Nova Lima. Abriu-se a sede do Partido, e várias lideranças assumiram publicamente sua condição de comunistas. Nas eleições de janeiro de 1945, para governador do Estado e Câmara Estadual, o PCB obteve 19% dos votos no município, ficando em segundo lugar, o que animou a militância para o pleito municipal de novembro do mesmo ano. Nessas eleições, o Partido já tivera seu registro cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, e inscreveu seus candidatos no PSD, elegendo o vice-prefeito, o juiz de paz e quatro vereadores, operários mineiros. Como a sede do Partido havia sido fechada, os vereadores comunistas abriram os "escritórios do povo".
Perseguições e mortes
Se, por um lado, a legalização permitiu ao Partido tornar-se mais conhecido e utilizar tribunas até então restritas à classe dominante, como a Câmara de Vereadores, por outro, identificou os militantes mais aguerridos e queridos do povo e os expôs à sanha dos seus inimigos: a companhia inglesa e o vigário da paróquia. O vigário começou a fazer campanha aberta contra os comunistas, e a companhia fortaleceu um grupo de operários adesistas, transformando-os em seus capangas.  
Em 1948, o Comitê Estadual (CE) decidiu que, em virtude da força do Partido em Nova Lima, o aniversário da Revolução Russa, no dia 7 de novembro, deveria ser comemorado publicamente. Os representantes da mina argumentaram que isso não era sensato, tendo em vista o clima pesado criado na cidade. O CE manteve a decisão. Durante o ato, os capangas da companhia dissolveram a manifestação a tiros e facadas e mataram dois operários, um dos quais o conhecido líder operário e vereador William Dias Gomes, membro dos Comitês Municipal e Estadual do Partido.
No dia seguinte, desencadeou-se violenta repressão, com a prisão de vários mineiros e fechamento dos "escritórios do povo". A morte dos operários, as prisões e toda a repressão foram utilizadas pela burguesia local para atemorizar o povo e afastá-lo dos comunistas. A companhia ofereceu, ainda, inúmeras vantagens aos trabalhadores que a apoiassem. No dia 17 de junho de 1949, outro militante muito influente no meio popular foi assassinado na calada da noite.
Todos esses acontecimentos foram deixando a população realmente atemorizada. Na mina, a desarticulação completou-se com a demissão por justa causa, homologada na Justiça do Trabalho, de 51 operários comunistas. O processo foi in-teiramente político, e na sentença o próprio juiz deixa isso claro, ao dizer que os operários foram "autores de um movimento de caráter comunista, tendente à paralisação dos serviços da mina, visando a afetar a economia nacional".
União do povo retoma o Sindicato e a luta
A atuação dos comunistas enfraqueceu-se, mas novas lideranças surgiram, em duas vertentes: uma, ligada à juventude operária católica (JOC),  e outra, independente, isto é, nem ligada aos comunistas nem aos cristãos. Estes não tinham ligação com o vigário, integrando o movimento da Ação Católica Brasileira, que compreendera  ser a luta de classes uma necessidade provocada pelo capitalismo e não uma invenção dos comunistas. Os três grupos se aliaram.
A união de forças retomou o Sindicato, possibilitando a realização de grandes greves e outras mobilizações nas décadas de 1950 e 1960, obtendo conquistas como a taxa de insalubridade.
A resistência ao Golpe Militar
O 1º de abril de 1964 encontrou a mina de Morro Velho paralisada, em defesa da democracia. Ao apelo do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) por uma greve geral de resistência ao golpe, só houve duas respostas positivas: a dos ferroviá-rios da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, e a dos operários da mina de Morro Velho, em Minas Gerais. Quando os mineiros se preparavam para uma passeata e concentração, a cidade foi ocupada pelas forças policiais. Com o Sindicato fechado, os líderes detidos e a cidade militarizada, eles voltaram ao trabalho no dia seguinte.
Inúmeros operários tiveram suas casas invadidas e metralhadas. Mais de cem foram presos e processados com base na famigerada Lei de Segurança Nacional (LSN). Uma longa noite de silêncio e terror caiu sobre a mina, a cidade e todo o país.  Toda essa  rica experiência tem muito a nos ensinar. Aprendamos com as lições da Mina de Morro Velho! 
Os trechos entre aspas são  depoimentos de velhos militantes comunistas da Morro Velho e foram dados a Yonne de Souza Grossi, em 1978, e estão no livro Mina de Morro Velho - A extração do homem
Publicado em A Verdade nº 12

Fonte: http://www.averdade.org.br/modules/news/article.php?storyid=936


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Lutas e Heróis do Povo : O guerreiro Mandu Ladino

em 16/08/2011 (220 leituras)
Corria a segunda metade do século 17. O estado do Piauí iniciava o seu povoamento a partir da penetração do gado oriundo da Bahia, de Pernambuco e um pouco do Ceará. O boi ia em busca de pasto; atrás do boi vinha o homem, abrindo picadas, erguendo currais, construindo palhoças, fazendo filhos... e invariavelmente matando os nativos que viviam na região.
Nas sociedades constituídas a partir da pecuária, a moeda corrente é o boi e a vida de uma rês, no mais das vezes, tem mais valor que vida de um homem.
Por essa época habitava o Piauí o maior assassino de índios e negros que o Brasil já conheceu: Domingos Jorge Velho. A coroa portuguesa lhe concedeu dezenas de léguas de terra às margens do rio Poti como reconhecimento pelos  serviços prestados aos senhores de escravos e de terras. Foi do Piauí, já em idade avançada, que Domingos Jorge Velho partiu, atendendo à convocação do governo de Pernambuco, para aniquilar os negros insurretos do Quilombo dos Palmares. 




ManduJorge Velho não se cansava de afirmar: "Índio bom é índio morto, pois mais traiçoeiro impossível. Já as índias servem pros afazeres domésticos e pras necessidades sexuais".
Bernardo Aguiar, oriundo do Maranhão, aprendeu fielmente a lição do coronel Jorge Velho. Atravessou o Rio Parnaíba - que os índios chamavam de punaré - estabeleceu-se na bacia do Rio Longá, mais ao nascente, e foi ampliando os seus domínios. Ao tempo em que reproduzia bois, aniquilava aldeias que ficassem até trinta léguas de distância de sua propriedade, chamada Bitorocara.
Foi o que se deu com a aldeia dos índios abelhas, assim chamados porque conviviam harmonicamente com as abelhas teúbas na região. Os homens de Bernardo chegaram pela madrugada na aldeia cuspindo fogo covardemente sobre os índios ainda sonolentos. Como prova do feito levaram ao chefe os dois filhos pequenos do cacique, únicos sobreviventes do massacre.
A mais velha, Aluhy, não se conformou e em poucos dias fugiu da fazenda e voltou à aldeia, onde se deparou com a horrível cena dos cadáveres de todos os seus entes queridos. Enterrou-os um a um em uma mesma cova, foi recapturada e não mais ofereceu resistência. Seu mundo tinha desabado. Acabou afeiçoando-se ao filho mais novo do fazendeiro, Miguel, que também se afeiçoou a ela e com ela casou-se e teve uma filha.
O índio bom
O irmão mais novo de Aluhy tinha o nome de Mandu. Foi entregue a um padre capuchinho de nome Lucé, que dirigia uma missão na aldeia Boqueirão do Cariri, no sertão da Paraíba, e encontrava-se em desobriga pelo alto Longá na oportunidade.
Padre Lucé tratava a todos, e em particular a Mandu, com atenção e cordialidade. Ensinou-lhe o português, rudimentos do espanhol, a reza, os costumes dos brancos e, devido à sua enorme esperteza, acrescentou-lhe a alcunha de ladino. Nascia ali Mandu Ladino.
Durante oito anos, Mandu Ladino, que chegara à missão aproximadamente com seis, viveu harmoniosamente com os índios cariris, com os escravos e os padres, mas o seu espírito de liderança já se fazia presente nas caçadas, no diálogo, nas brincadeiras. Não raro, Mandu voltava da caça com uma jaguatirica sobre os ombros.
 Essa harmonia foi rompida com a substituição de padre Lucé por padre Martinho, que logo passou a maltratar e desrespeitar os nativos, tratando-os com rispidez e combatendo violentamente as suas crenças e valores. Padre Martinho cometeu o desatino de atear fogo em todas as imagens e símbolos sagrados cultivados pelos indígenas, obrigando todos a assistir tal violência, com armas apontadas para eles.
A resposta não tardou: numa madrugada padre Martinho acordou assustado e viu que a sua igreja católica, símbolo da sua fé, tinha se incendiado, com todos os seus santos. Ao redor da igreja, com tochas de fogo na mão, dezenas de índios gritavam e dançavam ensandecidos. À frente deles estava um menino de 14 anos: Mandu Ladino. Padre Martinho tentou impor-se perante os insurretos, mas foi abatido por uma borduna na cabeça, vindo a falecer ali mesmo.
Sob a liderança do menino feito homem, Mandu Ladino, mais de uma dezena de índios cariris fugiram da missão. Nenhum deles tinha ideia de para onde ir, a não ser Mandu. Era chegada a hora de fazer o caminho de volta, ir em busca da sua história, retomar as pegadas do seu povo.
ManduApós 29 dias - uma lua inteira - cinco guerreiros cariris chegaram ao pé da serra da Ibiapaba, divisa de Piauí e Ceará. Os demais se dispersaram, se agregaram a outras tribos ou morreram em combate com os homens e as feras. Poucos, fracos e cansados, foram presas fáceis de fazendeiros, que os capturaram como escravos.
Unir para lutar
Foi na condição de vaqueiro escravo da fazenda Alegrete que Mandu Ladino passou os primeiros anos de retorno ao Piauí. Incontáveis vezes o amarraram a um tronco de árvore para açoitá-lo com relho de couro cru até que a pele virasse carne viva. Para evitar gangrena, davam-lhe um banho de sal grosso que ele suportava silenciosamente.
Mandu Ladino logo percebeu que a quantidade de bois aumentava na mesma proporção em que se reduzia o número de aldeias indígenas. A conclusão era lógica: ou havia reação dos índios ou todos seriam dizimados, reduzidos a pó. Isoladamente era impossível vencer o poderio militar e logístico do branco, daí a necessidade de unir toda a nação indígena.
Foi pensando assim que estabeleceu contato, imitando o canto dos sabiás para não ser delatado, com a tribo dos aranis, cujo cacique, Xerém, teve uma filha assassinada pelo capataz da fazenda Alegrete. Tudo combinado por código, em uma noite sem lua os aranis chegaram à fazenda, mataram silenciosamente os cachorros, lançaram flechas incandescentes sobre as casas de palha e, já com o auxílio de Mandu, justiçaram um a um os moradores, exceto as mulheres, as crianças e o capataz, algoz de Mandu e assassino da filha do cacique Xerém, que foi levado vivo para que fosse servido em um solene banquete antropofágico.
A lenda de Mandu e a ação dos aranis se espalharam. Mandu em vão tentou convencer os aranis a abandonar a aldeia. Logo, logo, os brancos vieram com sede de vingança. Em inferioridade numérica e militar, Mandu demonstrou o porquê da sua alcunha. Ora orientava os índios a matarem os cavalos enquanto os brancos dormiam; ora mandava as índias tirarem caixas de marimbondos para lançá-las sobre os brancos; ora armava ciladas em desfiladeiros sem saída.
A aldeia aranis enfim foi vencida, com a morte do cacique Xerém e da maioria dos guerreiros, mas Mandu conseguiu resistir e fugir com cerca de 50 pessoas, vinte delas talhadas para a guerra. Mandu inicia a sua saga visando à união da grande nação indígena para uma guerra sem trégua ao branco invasor.
Na condição de novo cacique dos aranis, fato inédito para um índio de outra tribo, Mandu desce o rio Piracuruca, onde propõe à tribo do mesmo nome uma união de forças para combater o inimigo branco. Por essa época já tinha tomado por esposa a bela índia Korena, viúva de um guerreiro aranis, morto em combate.
Vitoriosos em mais uma ousada ação, os agora quase cem guerreiros subiram a serra Grande, divisa com o Ceará, onde tentariam convencer os índios acaraús, itapajés e pitiguaras a juntarem-se a eles. A missão foi parcialmente exitosa, com a recusa taxativa de apenas uma das tribos.
Já formavam uma pequena e aguerrida nação: aranis,  piracurucas, itapajés, alguns acaraús, Mandu dos Abelhas, dois índios da antiga cariri e alguns ex-escravos. Partiram para o litoral piauiense, no famoso delta do Parnaiba, onde resistia bravamente a tribo dos tremembés. Unir-se a eles era fundamental para conformar o exército imaginado por Mandu. Marcharam rumo ao rio Parnaíba - o velho Punaré - e por ele o trajeto era feito mais facilmente em balsas construídas com a madeira do buriti.
"Índios corsos" é como o branco invasor passou a chamar o exército de Mandu, numa alusão depreciativa aos piratas do mar. Os guerreiros indígenas, diferentemente  dos piratas, tinham origem e tinham causa: viver livremente em suas próprias terras.
No rastro de sangue que se formava em torno de Mandu, os cadáveres do cunhado do ouvidor-geral do governo do Maranhão e do irmão e herdeiro de Domingos Jorge Velho foram a senha para que os fazendeiros do Piauí fossem até São Luís, a que o Piauí era subordinado, para solicitar intervenção oficial e conter a marcha de Mandu Ladino.
A luta
 Para formar o exército oficial dos brancos foram disponibilizados 80 homens, 100 índios flecheiros, montarias, armamentos para todos e víveres assegurados pelos fazendeiros, todos sob o comando do coronel Souto Maior. A tropa resolveu marchar rumo ao rio Parnaíba para surpreender os guerreiros de Mandu Ladino, que a essa altura subiam o rio de volta, vindo do litoral para o poente.
De fato, só ao chegar em pleno litoral, Mandu veio a saber que os índios tremembés haviam sido completamente aniquilados pela força de quatro navios que chegaram à costa piauiense propondo amizade e os surpreenderam, crédulos e desarmados. Foram todos mortos traiçoeiramente.
Com uma rede de informantes voluntários cada vez maior, formada principalmente por índios escravos - os chamados índios mansos que ele tanto odiava, mas que terminavam lhe prestando um grande serviço - Mandu soube da existência da tropa oficial e resolveu, ele sim, tomar a iniciativa do combate.  A seu favor contava o fator surpresa. Ninguém em sã consciência esperava que ele tomasse a iniciativa da luta. E ele assim o fez, ainda em terras maranhenses, do lado de lá do Parnaiba, quando o inimigo estava desprevenido.
Contando com a colaboração de aliados entre os índios flecheiros e com a ajuda da madrugada escura, Mandu Ladino comandou um combate com as poderosas e surpresas forças armadas do Maranhão, e venceu-as triunfalmente  à base de flechas, paus, facões e pedras. A data provável da batalha foi 12 de junho de 1712.
O massacre feriu de morte a autoridade do Estado e pôs em xeque o cargo do governador do Maranhão, que de pronto autorizou o recrutamento de 200 soldados brancos e - novidade - mandou adquirir a quantidade que fosse necessária de malhas de ferro para cobrir as fardas dos soldados, tornando-os praticamente imunes às flechas venenosas dos índios. Para comandar a guerra convocou o fazendeiro Bernardo Aguiar, que dividiu o exército em quatro pelotões de 50 homens, cada um comandado por um capitão da sua confiança. Por ironia do destino, Bernardo foi o mandante do massacre que redundou no assassinato de todos os índios abelhas.
Mandu Ladino, consciente da reação inimiga, resolveu esconder-se, sumir de circulação, para recuperar as forças, descansar seus guerreiros e amadurecer novas estratégias. Para tanto pediu guarida aos índios tabajaras, que habitavam o pé da Serra  da Ibiapaba, e acolheram Mandu e seu exército num socavão de morro. Os ibiapavas não eram de confiança, eram dóceis aliados do branco invasor, mas Mandu não tinha muitas opções.
A traição
O acordo durou alguns anos, até que Mandu começou a sentir cheiro de traição no ar, pelo jeito esquivo dos líderes tabajaras, e as ausências prolongadas do padre que dava assistência à aldeia. Não tardou a chegar notícia dando conta da aproximação do exército de Bernardo. Sem alternativa, Mandu comandou a retirada rumo ao nascente, mas apartou as mulheres, crianças e anciãos, que seguiram por itinerário diverso do dos seus guerreiros.
Livro sobre ManduFazer uma retirada estratégica com cerca de 100 guerreiros a pé com um exército montado e bem nutrido no seu encalço não é tarefa fácil. Em alguns dias Mandu foi alcançado e a batalha se verificou sangrenta em um vale descampado, na localidade onde hoje é o município piauiense de Batalha. Além da desvantagem militar e numérica, os índios não entendiam por que suas flechas não atingiam o inimigo, ficando presas na sua couraça de ferro, sem penetrar-lhes o corpo. Quando se deram conta de que deveriam mirar nas montarias e não nos cavaleiros, a batalha já estava perdida. Cerca de 80 guerreiros índios, a maioria dos cavalos e quase nenhum soldado estavam mortos. Mandu estava entre os 20 guerreiros que conseguiram se evadir.
O exército de Bernardo saiu em seu encalço, não permitindo que ele atravessasse o Parnaíba, rumo ao Maranhão. Mandu, seus 20 guerreiros, mais sua mulher Korena, seu filho e as demais mulheres e crianças que haviam se reagrupados tiveram como alternativa descer o rio rumo ao litoral, com o exército à margem, atirando sempre. Terminou sendo abatido quando atravessava a nado o Rio Igaraçu, provavelmente em 1717, em Parnaíba.
A morte de Mandu Ladino foi o fim da saga dos índios em território piauiense. Hoje existem apenas raros vestígios, enterrados, da passagem dos nativos por este solo. Todas as 150 tribos do Piauí foram dizimadas, sendo este, o Rio Grande do Norte (mais o Distrito Federal) os únicos Estados brasileiros onde não mais se registra a presença de nenhum dos primeiros habitantes do Brasil. Mas a lenda do seu guerreiro maior não se apagou, e algum dia será contada nas escolas do nosso país como parte integrante da história oficial do Brasil.
Fonte: Livro Mandu Ladino de Anfrisio Neto Lobão Castelo Branco.
Pedro Laurentino Reis Pereira, funcionário público no Piauí, escritor e poeta.

Fonte: